Com lágrimas escorrendo pelo rosto, molhando o casaco sujo e rasgado o adolescente de 17 anos dizia: “Não aguento mais essa vida, gostaria que os meus avós ainda estivessem vivos”. Falava ele escorado e sentado nos fundos da parede de um posto de conveniência na Candangolândia/DF.
Encontrei o jovem citado por acaso, duas vezes, em menos de 15 dias. Na primeira vez estava indo na padaria comprar pão, ao sair do estabelecimento o rapaz disse: “Moça, você pode comprar um remédio para mim?”. Nesse instante, ele mostra seus dois dedos praticamente decepados, por algo que não sei até hoje. Vendo aquela situação, fiquei comovida. Tentei comprar o remédio, mas, ele não tinha a receita porque molhou. Infelizmente não pude ajudá-lo, mas pedi que ele se dirigisse novamente ao hospital. Neste dia, o adolescente ainda estava com roupas limpas e com uma bicicleta.
O outro encontro foi no posto de gasolina. Fui abastecer o carro e vi um rapaz, com uma jaqueta, bermuda e sandálias de dedos, todo sujo. Ele até veio em minha direção, mas (reação já condicionada socialmente) busquei mudar o olhar para outro local, a bendita vista grossa. Depois parei para pensar: “Por qual motivo tive essa reação? Que atitude ridícula da minha parte?”. Quando pensava nisso ele já tinha sumido de vista. Saí com o carro do posto e fiquei pensando na situação. Num rompante parei o carro em uma rua abaixo do posto e fui atrás dele, imaginado se poderia encontra-lo novamente.
Voltei ao posto a pé, já pensando que não ia acha-lo, mas o vejo encostado, na parede já citada no texto, com o olhar para baixo. Nem lembro como chamei a sua atenção. Quando o rapaz levanta o rosto, a minha surpresa: o garoto da farmácia. Perguntei se ele lembrava de mim. A resposta foi um sim. Parei um tempo para conversar com ele, que me explicou os motivos de ter vindo da Bahia para o Distrito Federal. Um das razões foi a morte dos avós, momento que as lágrimas desceram do rosto do adolescente de apenas 17 anos e com uma vida muito difícil.
Neste dia levei um soco na boca do estômago. Meus problemas não eram problemas, apenas meras dificuldades. Tenho onde morar, o que comer e sou vista pela sociedade como cidadã, já que pelo sistema uma pessoa que vive em situação de rua não existe, ou seja, é um ser invisível. Às vezes temos que parar de olhar para o próprio umbigo, ampliar os horizontes e dizer ao menos “oi” ou um “bom dia” ao próximo. Às vezes dar atenção, mesmo que em pequenas coisas, pode fazer a diferença para você quanto à pessoa que recebeu a ajuda.
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