Pular para o conteúdo principal

O caminhar

O ar condicionado batia gélido nos braços. Como se paralisassem os membros do corpo. Ouvia sem parar os dedos batendo nos teclados do computador. Levantava a cabeça e via outras cabeças centradas nas telas dos computadores, trabalhavam como máquinas. Do nada ela pulava da cama e pensava: “Mais um sonho, quer dizer praticamente um pesadelo, baseado na realidade! Aff!”

Olhava para o teto, suspirava fundo, enquanto ainda estava enrolada nos cobertores. “Poxa! São 8h da manhã de um sábado e vou sonhar com trabalho!”. Naquele dia estava querendo ficar sozinha. Refletir sobre como a vida havia se tornado, pois até os dias que seriam “coloridos/felizes” (finais de semanas e feriados) estavam querendo ser tornar preto e branco, como de segunda a sexta (horário comercial). Não havia mais graça na semana e a luz no fim do túnel seriam os finais de semana.

Por que o trabalho havia se tornado um estorvo? Nem ela mesma sabia! O dia estava lindo, sábado de sol. Não queria ficar em casa. Foi fazer algo que gosta muito: Dirigir sem destino. Naquele manhã tomou um belo café da manhã e saiu pelas ruas da cidade. Começou a pensar: “Aonde irei? Por qual lugares passarei?”. Ela tinha mudado de cidade e decidiu passar por onde tinha morado anteriormente.

Dirigia intensamente, foi à casa de algumas pessoas, conversou um pouco e tomou café e comeu bolo. Novamente abria a porta do carro. E novamente a pergunta: Aonde eu vou? Resolveu, então, andar em locais que passou boa parte da vida: Escola, ruas, praças, casas que já havia morado. Neste momento, parecia que todos aqueles sentimentos guardados através do tempo voltaram, passaram com filme. Momentos e sentimentos que ajudaram a construir seu caráter e personalidade.

Lembrou-se de quando era menina. Morava em uma rua e tinha uma amiga, onde uma ia para casa da outra brincar, jogar bola, criaram até um “clubinho”! Até apertar a campainha dos vizinhos e sair correndo elas faziam, mesmo sabendo que poderiam levar uma bronca daquelas. Lembrar do garoto que era apaixonada e de quando tocou em sua mão pela primeira vez, mesmo tendo sido um amor platônico. Cada lugar, um sentimento, pessoas diferentes. Até mesmo pessoas que fizeram a diferença na vida dela, mas nunca mais as encontrou, algumas reencontrou por meio das mídias sociais, porém não é a mesma coisa, não se tem mais um contato pessoal.   

Assim, a própria história passava meticulosamente em sua cabeça. Lembra do tempo que não tinha preocupação com contas para pagar e outras responsabilidades da vida adulta. Que sua jornada até certa idade tinha sido muito boa, parte de seus sonhos haviam se concretizado, mas outra parte não. A vida estava estagnada de mais para quem viveu uma infância e adolescência de sonhos. Sabia ela que nada seria fácil, pois teve uma vida simples, caminhava até longas distâncias para ir à escola, não estudou nos melhores colégios, mas lembrava que parte dos estudos era feito pelo próprio estudante. Nem tudo que gostaria teve na mão facilmente, teve que correr atrás dos objetivos.

“A corrida da vida”, era assim que ela pensava. O mundo de competição, onde um quer roubar seu lugar, onde tudo que você cultiva na infância é esquecido: simplicidade e humildade. Isso foi percebido por ela enquanto dirigia. Muitos passavam com os carros em alta velocidade, davam luz alta, com pressa, querendo fazer uma ultrapassagem o mais rápido possível. Pressa em um sábado de manhã? Pressa de quê? Como se tivessem perdendo alguma coisa. Tempo talvez? “O tempo é dinheiro. Mas ter todo o dinheiro do mundo não paga a verdadeira felicidade, pois, nos é imposto, em um modelo de sociedade hipócrita, que felicidade é ter dinheiro”, refletia em sua mente, um pouco indignada.
Passou um tempo e lembrou do seu trabalho novamente. Viu que lá já não era mais seu lugar, trabalhava para pagar contas. 
A situação só não era mais drástica por conta das pessoas especais que lá conhecera e lhe acrescentaram muito como pessoa e profissional. “Tenho que trabalhar com algo que amo, pois assim todos os meus dias serão coloridos”, dizia. Um passo complicado de se dar, mas teria que ser feito. Sonhar com o sonho e realizá-lo. Ela precisava de sinceridade e de franqueza para se enfrentar e seguir em frente. Trabalhar com aquilo que lhe fazia se sentir plena, mas sem prejudicar alguém.  Naquele dia decidiu descobrir quem era ela mesma, viver a vida de forma plena e aprender que sempre tem algo de positivo em tudo. Foi assim que dormiu plenamente na noite de sábado, sem interrupções ou pesadelos. Acordou bem no domingo, recomeçou a viver e a responder a pergunta: “Aonde eu vou?”


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chegadas e Partidas

Várias histórias. Vários lugares. Várias pessoas. Ela respirava fundo e o coração batia incansavelmente. Ela era Maria. O coração apertado de Vinícius. Jonas saia correndo com os braços abertos. Roberta olhava o horizonte e se perguntava: “ Mais um desafio, será que darei conta sozinha neste lugar desconhecido?”, indagava. São histórias diferentes, mas acontecem em um mesmo lugar: na Rodoviária. Maria estava à espera de Jonas, que sai correndo para abraçar sua noiva. Eles iam se casar naquela semana. Jonas, paulista, estava de malas prontas para morar em Brasília e viver seu amor. A inquietude dela era compreensível, já que ia unir-se a sua outra metade. As portas abertas do ônibus selaria um novo momento, uma nova vida e uma nova celebração para o casal. Nunca a abertura de uma porta foi tão esperada. Rodoviária: Lugar amado por uns, detestado por outros ou vice e versa. Local onde pode-se ver pessoas de todos os tipos. Do salto alto a chinelos de dedos. A diferença às veze

Parabéns, vô!

Mais um 15 de outubro. Mais um ano de vida, para um senhor que completava 86 anos. Idade avançada, talvez, mas com a mente e o corpo ativo. É conhecido na rua em que mora, há quase 40 anos, na Ceilândia-Sul (Guariroba) como “Seu Roldão”. Senhor, pai de 15 filhos, 11 vivos, avô de mais de 30 netos e bisnetos. Os vizinhos de longa data e a família sabem do seu amor por andar de bicicleta e de ônibus, principalmente depois da vida de aposentado e muitos anos trabalhando como carpinteiro. Quem nunca ouviu o comentário: “Vi seu Roldão ontem na Rodoviária do Plano comendo um pastel e tomando um caldo de cana”. Sabendo que a data era especial, pois, o vô completava mais um ano de vida, a “filharada e a netaida” resolveram, de supetão, em uma quinta-feira, no final da tarde, fazer uma surpresa para aquele nobre senhor. Pelo Whatsapp e via telefone, organizaram rapidamente um lanche para comemorar a data. Aos poucos foram chegando à casa do anfitrião, cada um trazendo um pouco dos come

O cubículo paciente

O ambiente é frio. Os corredores longos. Pessoas de branco e uniformizadas caminham sem parar em um desses corredores, afinal é apenas um andar de um prédio. A palavra frio se encaixa nesse ambiente, pois se trata de um hospital. Na internação, quanto mais dias se passam, mais depressivos e cansativos ficam. Quem é paciente muitas vezes emagrece. É ruim ficar, mas enquanto os dias passam conhecemos outras pessoas que estão presas no cubículo que chamam de quarto. Histórias surgem. Os pacientes se tornam amigos e às vezes confidentes. As perguntas são básicas: - Qual é o seu nome? Ou melhor, sempre se pergunta primeiro o motivo de estar ali. - Porque você veio parar aqui? Outra pergunta é fundamental: E a alta, alguma previsão? Na maioria das vezes a resposta é rápida: “Amanhã ou daqui a três dias”. Porém, outra é mais complicada: “Não sei...” Essa resposta é angustiante, pois todos ficam à mercê: os familiares, o doente e também os profissionais da saúde